Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Bem vindo!

Aqui você encontrará histórias, emoções e sentimentos de uma mãe.
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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

É Preciso Saber Viver

No próximo mês meu filho completará 9 anos. O sonho de muitas mães verbalizado como: “Meu filho será sempre meu bebê!”, para mim é um pesadelo. Tudo o que mais desejo é que ele desabroche e deixe de ser meu bebê. A cada ano que passa muitos são os desafios; muitos problemas aparecem e algumas poucas conquistas surgem. Devo incentivá-lo a ampliar sua autonomia e confiar em suas potencialidades. Devo lhe dar amor e segurança, lhe proporcionar uma vida digna e feliz. Ofertar uma gama de sentimentos e atitudes, tendo em troca dias estafantes, beliscões, puxões de cabelo, gritos e alguns breves afagos e sorrisos. Sou cáustica como o autismo, mas tento manter a doçura amparada no calor do sol ao amanhecer e nos momentos de alegria compartilhados com meus dois amores – Otávio e meu marido. Degustar minhas cervejas prediletas enquanto vejo a satisfação de Otávio ao devorar um brigadeiro na colher em nosso boteco acolhedor. Ter um momento de tranquilidade na hora do almoço enquanto ele brinca no gramado da churrascaria em que é frequentador assíduo. Momentos prosaicos, mas que me sustentam. Sinceramente, a cada término de dia penso que não terei alegria e entusiasmo para prosseguir. Mas basta uma boa noite de sono e um novo raiar do sol, como uma página em branco, para eu retomar meus afazeres e seguir escrevendo a nossa história. Me adapto a realidade de possuir um bebê de 9 anos, que engatinha no quesito amadurecimento cognitivo, mas que avança a seu modo na compreensão do mundo que o cerca, e que se revolta com estas contradições de desenvolvimento. Posso enxergar em seus olhos a angústia e a raiva por ser assim, tão diferente e tão cofuso, mas não posso deixar de sentir a mesma angústia e raiva por ser o alvo de suas demonstrações de sofrimento. Sentir as pancadas físicas reverberadas na alma. É preciso muita garra, auto-controle e acima de tudo amor, para dar a cara a tapa, literalmente, e seguir lutando, sorrindo e amando. É preciso empenho para acreditar que a escola regular realmente o quer e aposta na sua inclusão, contemplando suas dificuldades e habilidades, e vislumbra sua permanência nos próximos anos. É preciso bom humor para enfrentar os maus momentos e auxílio para solucionar impasses. É preciso encontrar formas alternativas de ensinar, brincar, compartilhar e ser feliz. É preciso ignorar a ignorância, a arrogância e a mediocridade. É preciso saber viver com o autista e conviver com o autismo. Silvia Sperling

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Prismas

É tão clichê falar que após situações difíceis, como perdas ou doenças, nosso modo de ver as coisas se modifica. Parece que ampliamos momentos singelos, tornando-os impactantes. E essa é realmente uma verdade. Acho que me sinto tão só neste mundo, justamente por não enxergar mais as coisas como antigamente. Minhas preocupações são triviais e repetitivas, e tão distintas da maioria das mães. Não tenho que me preocupar se meu filho terá uma boa avaliação escolar no semestre, se está atingindo os objetivos curriculares propostos, mas me preocupo se ele conseguirá acompanhar a evolução da turma e permanecerá na escola regular. Não penso no que ele escolherá para seu futuro profissional, e se passará no vestibular de uma universidade pública ou privada, mas penso se ele poderá exercer uma ocupação no mercado de trabalho e se terá uma independência relativa. Este mesmo modo peculiar de expectativa perante a vida guia meu olhar no que diz respeito à felicidade. Para não esmorecer ou enlouquecer, saboreio uma manhã linda de sol, sentada na grama do parque olhando o rosto alegre e sereno de meu filho curtindo este momento. E um dia em que ele não se desorganize severamente, sem golpear a cabeça com suas mãos, de forma violenta e raivosa, hoje, já é considerado um ótimo dia para mim. Uma tarde mergulhada na piscina, vendo-o satisfeito por deslocar-se com tanta perícia neste ambiente não usual ao ser humano, mas que traz tanta tranquilidade à maioria de nós, e que em especial, aos autistas atrai tanto por proporcionar sensações únicas; este é um exemplo de uma tarde especial e emocionante. Vê-lo adormecer aos pés da nossa cama, sem choro ou lamúria, enquanto olhamos televisão no final de uma jornada, é a “chave de ouro” de um dia perfeito. Quanta simplicidade! Quanta felicidade! E eu que era tão certa de tudo, tão severa, tão Eu. Hoje sou Nós, mas continuo intensa e repleta de desejos. Desejo sorrisos, beijos, abraços, sol, calor, amor e paz. Acho que foi esta experiência tão intensa da maternidade que me proporcionou tantas sensações e motivações, que me modificam a cada momento. Sinto a dor mais intensa, a alegria mais contagiante, a fadiga esmagadora e a força extrema. Cultivo um jardim que é meu Éden. Aprecio as cores, os cheiros e os sabores. Amo a forma e a estética e tento compreender o conteúdo e o etéreo. Hoje sou frágil e desbravadora, fútil e profunda. Hoje sou mais complexa e complicada. Mas, sigo tentando saborear a felicidade que se apresenta de formas tão distintas. Tão próxima e tão distante. Silvia Sperling

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Linha Tênue

Sempre que leio novidades acerca de medicamentos para o tratamento do autismo fico na torcida de que em breve algum deles passe por todas as fases necessárias de testes e chegue, finalmente, às prateleiras das farmácias, e nos auxilie a melhorar a vida dos portadores do transtorno. O uso da medicação é muitas vezes necessário, mas delicado o processo de acerto na escolha da droga e dosagem. Um medicamento pode auxiliar no controle do comportamento agressivo, mas desregular o apetite. Outro, administrado por longo tempo pode causar efeitos colaterais leves passageiros ou mais sérios e irreverssíveis. Há ainda, medicações que para um indivíduo tem um efeito desejável e para outro, com a mesma síndrome e idade, causam um efeito contrário e indesejável. Por conta desta variabilidade é que costumo dizer que cabe aos pais a supervisão constante do comportamento de seus filhos durante o uso de medicamentos e a comunicação imediata ao médico sobre alterações físicas ou comportamentais, para o ajuste da droga ou retirada da mesma. Infelizmente, no cuidado do autista não verbal, ficamos reféns da medicação em muitas situações. Atualmente, não sei se a labilidade emocional de Otávio é por conta do uso de uma medicação, pela suspensão de outra, ou, pela manifestação da própria doença. Confesso que esta instabilidade de humor e indefinição de correlação com remédios ou ambiente, me causa um grande desgaste de energia. Para mim, o humor de Otávio atravessa sempre uma corda bamba, que ora pende para a tranquilidade e ora para a irritação, e esta mudança ocorre abruptamente. Sei que os programas fora de casa, como refeições e passeios, seriam bem mais agradáveis se não fossem atormentados pelo receio de uma mudança de temperamento. Escolhemos sempre horários de menos movimento nos restaurantes e com atendimento rápido, para que possamos ao menos comer com relativo sossego. Em casa temos que estar preparados para domingos alegres ou enlouquecedores. Particularmente, acho o autismo a doença mais desagregadora familiar por estas características que testam a paciência e o controle emocional dos cuidadores. Não vislumbro nenhuma patologia que sobrecarregue de tantas formas os pais e que tenha tantas facetas assustadoras e imprevisíveis. Exatamente como o título de um belo filme, é uma viagem inesperada. Silvia Sperling.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tuas Palavras Silenciosas

Como é viver num mundo sem palavras? Num mundo de gemidos, gritos, uivos, lamúrias e melodias. O surdo-mudo não expressa oralmente o que pensa, mas se comunica através da escrita e da linguagem gestual, o que o conecta facilmente com nosso mundo cheio de expressões significantes. Com o surdo-mudo podemos trocar informações e sentimentos, há o caminho dos sinais que fazem a ponte entre dois seres. Mas, no autista não-verbal, encontrar este canal de comunicação é muito mais árduo e por vezes, inalcançável. Recorremos ao olhar, ao comportamento, às expressões faciais. Temos que ensinar constantemente a eles que nos mostrem o que querem, mas muitas vezes, nem eles sabem o que desejam. Será a confusão mental da doença ou nossa ignorância em relação aos seus desejos? Meu filho compreende grande parte do que é dito a ele, pois o que lhe é solicitado é feito, mas o resto do que lhe é revelado: nossos sentimentos, alegrias, tristezas, será que é compreendido? Esta é uma dúvida e uma agonia. Qual o alcance de nossas palavras no mundo do autista que não fala? “Senta aqui”, é um comando entendido, assim como em um adestramento de outros seres vivos, mas a frase “Eu te amo!”, como é recebida e decodificada? É certo que nossos atos “falam”, portanto, nossa frase recheada de sorrisos, abraços e beijos, significam muito, trazem conforto e aconchego, dispensando explicações. Mas sempre estaremos em dúvida de como nossas ações e palavras são interpretadas. Os olhos de Otávio são repletos de emoção e significado, muitas vezes parecem transbordar sentimentos e não é raro ouvir de outras pessoas que ele “fala com os olhos”. É verdade que seu mundo interior transparece através da utilização de seu corpo como instrumento de comunicação, e repleta o ambiente vazio. Ele existe, pensa, sofre e comemora em seu mundo de imagens e sons, sem acesso a esta gama de palavras que enchem minha cabeça e preenche linhas e mais linhas de escritos. Esforço-me para quando estamos a sós, comunicar-lhe o que estou fazendo e o que farei em seguida. Questiono-lhe a todo momento sobre como está se sentindo, recebendo, muitas vezes, um sorriso ou um resmungo e até, algumas vezes, uma pequena palavra inesperada, como: bem, bom. No entanto, nossa luta diária busca encontrar o caminho que acesse este espaço de pensamentos e sua conversão em palavras faladas e escritas, que nos aproxima dos outros, agrega e tranquiliza. Enquanto este dia não chega, recheio os dias de meu pequenino silencioso com estímulos, sensações e vivências. E preencho o meu tempo com leituras, conversas, risadas, choros e sonhos. Sonhos de que um dia o sofrimento e a alegria de Otávio possam ser traduzidos em palavras, e a frase “Eu te amo!”, tenha sua real dimensão compreendida. Silvia Sperling

domingo, 6 de maio de 2012

AMOR DE MÃE

Estou lendo a surpreendente história de Eliana Zagui, a jovem de 38 anos que desde os 2 anos de idade mora no Hospital das Clínicas de São Paulo, por conta da poliomielite. Sua trajetória é dura, massacrante, solitária, porém, ela, a protagonista, se mantém leve e batalhadora, encontrando conforto e força em amigos que foram entrando em sua vida. Uns apenas passaram, e outros, poucos, permanecem a iluminar seu caminho até hoje. Algo que me chocou muito no seu relato é a quantidade de crianças que foram abandonadas no hospital por seus pais após o diagnóstico de enfermidades severas que as impediram de levar uma vida normal. Tanto crianças muito pequenas, quanto as maiores, que já tinham muitas histórias em família e um grande apego com irmãos e pais, após o acometimento de uma doença de devastação física ou neurológica, ou ainda, após um acidente que deixa sequelas irreversíveis, em sua maioria, são apagadas da estrutura familiar como se tivessem morrido. Como pode uma mãe se desligar de um filho da noite para o dia, principalmente no momento que ele mais precisa de apoio, carinho e dedicação? Eu penso que tenho o direito de fazer muitas coisas que me deixam feliz e que me trazem tranquilidade, mas acredito que hoje não tenho o direito de fazer tudo o que gostaria, por ter um filho especial que necessita de muito mais cuidados e disponibilidade de tempo de minha parte do que dispenderia com um filho “normal”. Quando nasce um filho, a mulher deve despir-se de seus antigos papéis e assumir o maior e mais importante deles, que requer abnegação e entusiasmo. Isto é ser mãe. Fazer de seu tempo e sua vida um reflexo de seu filho. Se estes sentimentos de entrega e responsabilidade com o outro não são despertados na mulher após o nascimento de uma criança, ali não nasceu uma mãe e desta pessoa não podemos esperar as atitudes de proteção e amor soberano. É cruel, mas há mulheres que simplesmente não se sentem mães e mesmo assim colocam filhos no mundo, como se esta fosse a ordem natural da vida: procriar como bichos. Mas não o somos totalmente. Somos seres muito mais complexos e que dependemos de outro ser por um breve período, e algumas vezes, para o resto da vida. Se a decisão de ter um filho fosse realmente pensada e amparada por sentimentos verdadeiramente altruístas, penso que casos como o de Eliana teriam outro percurso, menos nebuloso. Nós, mães, não temos o poder de afastar as mazelas do mundo de nossos rebentos (Bem que gostaríamos!), mas temos o dever de mover montanhas para tornar sua dor mais fugaz ou suportável. Gerar um filho é o comprometimento com duas vidas para o resto de nosso tempo. Parece exagero, mas é amor de mãe: profundo, intenso e eterno. Silvia Sperling

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A Última Romântica



Ouvindo minha rádio predileta de notícias em formato de revista eletrônica, escutei o comentário de uma colunista sobre a fantasia feminina do amor romântico, de como é ingênuo o pensamento de que encontraremos um homem amoroso, gentil, que pague as contas e que cuide dos filhos. Ela enfatizou que deveríamos diminuir as expectativas, pois jamais teremos ao nosso lado uma pessoa que supra todas nossas necessidades. Concordo, com a essência óbvia do pensamento, de que ninguém é perfeito, e nós, mais do que qualquer indivíduo, sabemos disso. Mas, discordo de que temos que desistir de procurar uma pessoa parceira para os bons e maus momentos, e que nos ame acima de tudo, pois, este é o homem ideal e ele existe sim.
A relação é posta à prova quando temos um filho especial, ainda mais no caso de uma criança autista, que nos exige de maneira extraordinária e que deixa nossos “nervos à flor da pele”. Meu marido, ao contrário do que acontece na maioria dos casos, se tornou mais presente, mais romântico, mais compreensivo e tolerante, do que antes do diagnóstico. Defeitos, ele tem muitos, mas se eu relatá-los terei que listar minha infinidade de manias e intransigências, que se somam ao longo dos anos. O que me alegra são suas atitudes: me elogia constantemente, toma café da manhã na minha companhia várias vezes por semana, almoça comigo e com o Otávio todos os dias, está presente em todas as consultas, minha e de nosso filho e, basta chamá-lo a qualquer hora que ele vem correndo. Não estou expondo isto para fazer propaganda de meu companheiro e nem para dizer: Como nossa vida de casal é maravilhosa! Brigamos muito, mas falamos tudo que pensamos, não “engolimos sapos” e temos certeza que somos felizes assim: juntos, na alegria e na tristeza.
Portanto, recomendo o contrário do que é pregado atualmente. Digo: não se contente com pouco e nem acredite em felicidade solitária, na ideia, esta sim fantasiosa, de que somos sozinhos no mundo e temos que aprender a lidar com nossos sentimentos e situações de maneira individual e onipotente. Que somos inteiros somente quando estamos sós e que se queremos achar alguém que nos complete, é porque não aprendemos a ser felizes conosco. Isto tudo é uma mentira, e considero sentimentos de quem não se arrisca a ir de encontro ao amor verdadeiro, ou que não está realmente disposto a ceder seu tempo e suas vontades, e se deixar invadir pelas minúcias do comportamento de outro.
Por que deixar de sonhar com o amor romântico, se é o sonho que nos impulsiona a ir em frente. Buscar nosso amor nos obriga a nos questionarmos e a nos tornarmos melhores e mais pacientes. E além de tudo, juntos somos mais fortes. Se um esmorece, temos outros braços para carregar nosso pesado fardo. E se uma alegria nos for proporcionada, poderemos entrelaçar nossas mãos e unir nossas bocas. Há algo mais inspirador, verdadeiro e romântico do que este momento sonhado a dois?

Silvia Sperling

sábado, 7 de abril de 2012

Debaixo de Mau Tempo

O frio está retornando à nossa região, com aquelas mudanças bruscas que todo gaúcho conhece bem, em um dia está fazendo 30graus e no outro 10graus. Assim como a temperatura oscila repentinamente, o humor de Otávio parece acompanhar esta instabilidade. A chegada do frio o irrita, ele quer permanecer sem camisa e sem meias até o limite que seu corpo aguenta. É um tira e põe de roupas que quase me enlouquece.
Em casa, principalmente nos finais de semana, suas lamúrias se arrastam e atormentam nossa audição. E da mesma forma que iniciam, se vão, sem ao menos entendermos o porquê.
Acho que pais de autistas precisam e merecem momentos de meditação e relaxamento, pois este constante estado de alerta e exigência contínua de esforço mental e físico, desestabiliza o organismo. E, se a moda é ser estressado, somos o maior exemplo do que é ser fashion, porém, desejamos loucamente estar demodê.
Por várias vezes me vejo tão acelerada, que minha cabeça dói e fico mais desastrada e irritadiça do que o normal. As horas voam quando o Otávio está em atendimentos e meu tempo parece escorrer pelos dedos. Desta forma, o desejo de introduzir a massoterapia na minha agenda nunca consegue se concretizar.
Mas, dentro de meu carro, vendo a chuva lá fora, penso: E as mães que dependem de ônibus para levar e buscar seus filhos? Assim como o tempo para elas nunca está a favor, o quanto é pesaroso aguentar o atraso do coletivo com a impaciência de um autista. E se após uma longa espera no frio, seu filho não conseguir controlar o esfíncter e urinar na roupa? Se o ônibus estiver lotado e seu filho além de molhado, tiver um ataque de fúria pela aglomeração e barulho? Meu Deus! As políticas públicas deveriam contemplar, além do atendimento aos autistas, o atendimento à família: suporte psicológico, espaços de convivência e terapias corporais, como: yoga, pilates, alongamento. Parece bobagem? Pode até ser utópico para nossa realidade brasileira, mas é algo que traria inúmeros benefícios no ambiente familiar.
Já me deparei com várias mães, com seus rostos cansados e desiludidos. E, se falamos tanto em estimulação para crianças, por que não pensar que nós, adultos, também precisamos deste estímulo para seguir em frente. Necessitamos lembrar que antes de sermos mães, somos mulheres e temos que nos sentir amadas, valorizadas e confiantes. Confiantes em nosso empenho diário e em um futuro melhor. Se não for o futuro que sonhamos quando concebemos nossos filhos, que seja um futuro mais promissor que a angústia e a ansiedade de um presente conturbado.
Suplicamos por um tempo só nosso, com risadas, aconchego e afagos: uma pitada de felicidade. Um raio de sol no meio do mau tempo.

Silvia Sperling.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Eu Amo Alguém Com Autismo

Lembro-me que o câncer, até algum tempo atrás, era uma doença vista como maldita, o que não deixa de ser uma meia verdade, mas o que quero ressaltar é a conotação da palavra, sinônimo de mau agouro, que muitas vezes não era nem pronunciada pelo portador ou menos ainda pelo indivíduo são, com medo do que representava a condição de possuir esta patologia. Hoje, vejo o autismo seguir esta mesma trajetória. Muitas denominações são atribuídas à síndrome, como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Transtorno Global do Desenvolvimento, Transtorno Atípico, e assim por diante. Muitas famílias não utilizam o termo autismo como se este fosse uma maldição, ou como se não utilizando a palavra seu filho tivesse uma condição mais branda da doença e um melhor prognóstico. Sabe-se que há vários tipos de autismo e vários graus de acometimento intelectual, mas o que importa é o diagnóstico precoce do desenvolvimento anormal da criança para a estimulação imediata e intensa.
Neste dia 2 de abril, celebraremos mais um Dia Mundial de Conscientização do Autismo, e todos envolvidos nesta condição estarão, de alguma forma, mostrando para o mundo que estes indivíduos pensam, sentem e agem de modo diferente. Todos que compartilham esta situação de vida estarão atentos às notícias veiculadas, as histórias de vida relatadas e celebrarão à sua maneira esta data de reflexão. Nesta ocasião, os portadores da Síndrome de Asperger, do Autismo de Alto e Baixo Funcionamento, e todos do espectro estarão sendo lembrados e tendo seus direitos reivindicados.
Neste dia não haverá medo nem preconceito quando a palavra autismo for pronunciada, e sim um sentimento de união e força que inundará o coração de milhares de pessoas.
A forma como cada família digere esta pesada realidade é algo muito íntimo e de difícil entendimento, por isto, deve-se respeitar o silêncio e a introspecção de alguns indivíduos, enquanto outros ‘’gritam aos quatro ventos’’ seus problemas e expõem seus filhos de maneira natural. Mas, de qualquer maneira que se encare a situação, no dia 2 de abril, vamos aproveitar a oportunidade para enterrarmos a vergonha e o sentimento de inferioridade, e buscar a valorização da pessoa com autismo. Vamos mostrar que os autistas são alegres, carinhosos, espertos e companheiros, e que precisam de apoio, compreensão e oportunidades. Vamos entoar: Eu amo alguém com autismo!

Silvia Sperling

quinta-feira, 15 de março de 2012

Profissão de Fé

Conheci recentemente a mãe de um menino com autismo, ele é um pouco mais novo que meu filho. Ela é manicure e eu, coincidentemente, fiz a mão com ela em um sábado. A primeira coisa que a perguntei foi: Como você consegue trabalhar? A esta pergunta ela olhou para uma colega e sorriu, repetindo a questão com ênfase. É muito complicado, concorda esta mãe e todas as outras mães de autistas, creio eu.
Tenho o privilégio de não precisar trabalhar além de cuidar de meu filho, mas a minha rotina é tão puxada quanto a de uma workaholic. Estou sempre com o celular em mãos aguardando a ligação da escola para pegar o Otávio no meio da manhã porque ele está agitado e choroso, ou levando-o para um atendimento, ou buscando-o de outro. Em algumas atividades tenho que aguardá-lo no local, em outras, resta um tempinho para os meus afazeres pessoais e de casa, mas sempre correndo contra o tempo e planejando as próximas tarefas.
Ser mulher, esposa, trabalhadora e mãe já requer habilidades extraordinárias tão difundidas e valorizadas, mas quando esta mãe tem um filho autista, seu stress pode ser multiplicado em várias vezes. Como conseguir um emprego que tenha uma jornada completamente fragmentada? E gerenciar um negócio, tendo que conciliar a contratação e controle de funcionários, burocracias e todo o restante de responsabilidades, com a culpa de seu filho estar sendo cuidado por outras pessoas que necessitam manejar seus ataques, administrar medicações e acompanhar constantemente suas atividades da vida diária? E encontrar estes locais de atendimento com pessoas qualificadas e carga horária extensa?
Eu sempre me surpreendo com as histórias de vida destas guerreiras e penso: O que sobra de tempo para se sentirem humanas? Sim, pois não nos é permitido sentir sono, dores e prazeres. Às vezes, somos presenteadas pelo acaso com uma noite tranquila, com momentos de relax, encontros agradáveis e mimos de princesa, mas definitivamente, não existe mãe de autista dondoca.
Sentamos e logo temos que nos levantar, abrimos um livro e em seguida temos que fechá-lo, sonhamos, mas somos arrastadas para a realidade. E então, você quer trocar de lugar?
Eu trocaria na hora meus momentos cronometrados de academia e manicure, por uma jornada de trabalho fixa, com almoços e jantares tranquilos, com finais de tarde de bate papo com amigas, cinema e passeios sem pressa. Deve ser ótimo comemorar a sexta- feira e a chegada das férias. Nosso calendário não tem feriado.
Muito prazer. Meu nome é Silvia, minha formação é Nutrição e minha profissão é mãe de autista.

Silvia Sperling.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor

Esta frase da música de Nelson Cavaquinho expressa meu sentimento mais profundo. Canso nos períodos atribulados, de muitas atividades do Otávio, de agitação e bagunça. Mas, me desiludo mesmo, na época de calmaria em que afloram sintomas desorganizadores e amedrontadores. Já houve fases de ataques de fúria, assim como dias inteiros de choro e hoje, prevalecem a hiperatividade e a falta de tolerância em locais públicos, a diminuição de horas de sono e ritualizações para dormir.
Entrei na roda viva de medicações que, como já falei, auxiliam bastante, mas mascaram o que é a doença e o que é efeito colateral. Tenho medo de medicar em excesso, tenho medo de sucumbir ao medo e não medicá-lo como deveria. Tenho medo de não ter esta noite de sono completo e reparador. Tenho muitos medos... Chego ao ponto de sonhar com a insônia dele. É enlouquecedor.
Carrego tantas idéias na cabeça quanto dores no coração. Pode parecer exagero ou algo poético, mas sinto realmente que meu coração hoje é mais sofrido e inquieto, dói tanto quanto meu físico. O sorriso que me acompanha diariamente esconde a fadiga de um dia extenuante. Continuo a cultivar minha vaidade, cuidar da saúde, organizar e decorar a casa, mas, muitas vezes penso que tudo isso é em vão. Vivo em busca da perfeição em meio ao caos do meu interior, que vive aos cacos. A doença de meu filho me maltrata e eu sei que também o machuca. Perco a paciência com ele e mais ainda com quem não o aceita.
Sofro todos os dias, faça chuva ou faça sol, frio ou calor, haja alegria ou tristeza. Descobri que devo aprender a viver amando mais do que ser amada e lutar mais do que saborear glórias.
Vou em frente: adaptando agendas, incluindo atividades, planejando o dia de amanhã e juntando os caquinhos que ficaram pelo caminho.

Silvia Sperling.